sábado, março 29, 2008

Medo de Avião

- Senta você na janela.
- Eu? Mas eu já voei, você é que tem que ver como é.
- Eu não quero ver nada. Só quero chegar vivo.
- Relaxa, meu bem, você vai chegar vivo. Avião é o meio de transporte mais seguro que existe.
- Sei. Então por que sempre está caindo um por aí…?
- Bem, esses são exceções… Deixa de bobagem e senta logo que nós estamos trancando o corredor.
- Está bem. Onde eu fecho a janela?
- Você não vai fechar a janela! Qual é a graça de sentar na janela e não ver nada!?
- Mas o que tanto você quer que eu veja, afinal? A hora exata em que o avião vai se espatifar no chão? Uma turbina pegando fogo…?
- Não vai acontecer nada disso, bobinho. Pela janela você vai ver a decolagem, a cidade lá embaixo, as nuvens, a asa balançando…
- Asa balançando? Como assim!? Eles não aparafusaram direito esse troço? Como é que você quer que eu veja uma asa balançando - e logo a asa do avião em que eu estou!? Dá licença, eu quero descer…
- Deixa de frescura, senta aí! A asa foi feita pra balançar, isso é engenharia. Se não balançar: cai.


- Como assim…? Então as minhas alternativas são voar num avião com asa balançando ou num avião que cai? Aeromoça, eu quero descer!
- Senta aí, Fernando! E não é “aeromoça”, é comissária. Não faz fiasco…
- Que seja! Aeromoça, comissária… pode ser até a rainha da Inglaterra, mas eu quero sair desse troço!
- Esse “troço” já fechou as portas, meu bem. Nós vamos começar a taxiar até a pista.
- É isso: táxi! Nós poderíamos ir de táxi!
- Táxi de Porto Alegre até Curitiba? Você está louco…
- Louca está você que me fez entrar num avião com a asa quebrada!
- A asa não está quebrada, ela só vai balançar um pouco, um pouquinho só. Aliás, veja, nós já começamos a andar…
- Meu Deus…
- O que foi agora?
- A asa! Ela já está balançando!
- Relaxa, isso é normal.
- Mas o avião está só a uns 30 km/h e ela já está balançando! Até quanto acelera essa coisa!?
- Ah, sei lá. Na pista acho que ele alcança mais de 400 km/h…
- Cristo! A asa vai se despedaçar e nós vamos morrer!
- Não vai nada. Eu já voei dezenas de vezes e nenhuma asa se despedaçou.
- Mas, e se esta estiver no limite!? E se alguém esqueceu de apertar algum parafuso!?
- Escuta, Fernando, o avião inteiro está olhando pra nós. Se você não parar de fazer fiasco eu vou me sentar em outro assento…
- Não! Pelo amor-de-Deus! Não solta a minha mão, não me deixa morrer sozinho vendo uma asa se desprendendo do avião!
- Cala a boca, Fernando. E pára de apertar a minha mão, você está me machucando!
- Desculpa, meu bem… Olha: eu vou me acalmar, ok? Mas não sai daqui, não…
- Então pára de bobagens, até parece criança! Aperta o teu cinto que nós vamos decolar.
- …
- O que foi, Fernando?
- Não tem cinto de três pontas?
- Não, o cinto é esse mesmo.
- Mas o meu está estragado. Olha aqui: ele escorrega!
- É assim mesmo, criatura. Não te preocupa que na hora do impacto ele segura firme.
- Impacto…? Que impacto!?
- Força de expressão. Eu quero dizer que se houver um impacto o cinto vai te proteger corretamente…
- Hum, sei… Mas por via das dúvidas eu vou dar um nó.
- Fernando! Como é que depois você vai desatar esse nó!? Só chamando os bombeiros!
- Escuta, você prefere que os bombeiros tenham que me desatar da poltrona ou tenham que recolher os meus pedaços espalhados por um avião sem asa…?
- Afe… Eu desisto! Comissária, manda parar esse vôo que nós vamos ficar!
- Ué, pensei que você não tinha medo de avião…
- Eu te mato, Fernando!

quarta-feira, março 26, 2008

O Pálido Ponto Azul








Esse vídeo não tem comédia nem bixo fazendo comédia... tem na verdade uma grande reflexão e valeu muito a pena ter postado o mesmo aqui no blog... bjunda povo

segunda-feira, março 24, 2008

Luis Fernando Veríssimo - Ressaca

Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu ainda sou do tempo das grandes ressacas. As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além de saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era a prova de que a retribuição divina existe e que nenhum prazer ficará sem castigo.

Cada porre era um desafio ao céu e às suas feras. E elas vinham: Náusea, Azia, Dor de Cabeça, Dúvidas Existenciais - golfadas. Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza. São inconseqüentes, literalmente. Não é que eu fosse um bêbado, mas me lembro de todos os sábados de minha adolescência como uma luta desigual entre a cuba-libre e o meu instinto de autopreservação. A cuba-libre ganhava sempre. Já dos domingos me lembro de muito pouco, salvo a tontura e o desejo de morte.

Jurava que nunca mais ia beber, mas, antes dos trinta, “nunca mais” dura pouco. Ou então o próximo sábado custava tanto a chegar que parecia mesmo uma eternidade. Não sei o que a cuba-libre fez com meu organismo, mas até hoje quando vejo uma garrafa de rum os dedos do meu pé encolhem.

Tentava-se de tudo para evitar a ressaca. Eu preferia um Alka-Seltzer e duas aspirinas antes de dormir. Mas no estado em que chegava nem sempre conseguia completar a operação. Às vezes dissolvia as aspirinas num copo de água, engolia o Alka-Seltzer e ia borbulhando para a cama, quando encontrava a cama. Mas os métodos variavam.

Por exemplo:
Um cálice de azeite antes de começar a beber - O estomago se revoltava, você ficava doente e desistia de beber.
Tomar um copo de água entre cada copo de bebida - O difícil era manter a regularidade. A certa altura, você começava a misturar a água com a bebida, e em proporções cada vez menores. Depois, passava a pedir um copo de outra bebida entre cada copo de bebida.

Suco de tomate, limão, molho inglês, sal e pimenta - Para ser tomado no dia seguinte, de jejum. Adicionando vodca ficava um bloody-mary, mas isto era para mais tarde um pouco.

Sumo de uma batata, sementes de girassol e folhas de gelatina verde dissolvidas em querosene - Misturava-se tudo num prato pirex forrado com velhos cartões do sabonete Eucalol. Embebia-se um algodão na testa e deitava-se com os pés da ilha de Páscoa. Ficava-se imóvel durante três dias, no fim dos quais o tempo já teria curado a ressaca de qualquer maneira.

Uma cerveja bem gelada na hora de acordar - Por alguma razão o método mais popular.

Canja - Acreditava-se que uma boa canja de galinha de madrugada resolveria qualquer problema. Era preciso especificar que a canja era para tomar. No entanto, muitos mergulhavam o rosto no prato e tinham de ser socorridos às pressas antes do afogamento.

Minha experiência maior era com a cuba-libre, mas conheço outros tipos de ressaca, pelo menos de ouvir falar. Você sabia que o uísque escocês que tomara na noite anterior era paraguaio quando acordava se sentindo como uma harpa guarani. Quando a bebedeira com uísque falsificado era muito grande, você acordava se sentindo como uma harpa guarani e no depósito de instrumentos da boate Catito’s em Assunção.

A pior ressaca era de gim.

Na manhã seguinte, você não conseguia abrir os dois olhos ao mesmo tempo. Abria um e quando abria o outro, o primeiro se fechava. Ficava com o ouvido tão aguçado que ouvia até os sinos da catedral de São Pedro, em Roma.

Ressaca de martini doce: você ia se levantar da cama e escorria para o chão como óleo. Pior é que você chamava a sua mãe, ela entrava correndo no quarto, escorregava em você e deslocava a bacia.

Ressaca de vinho. Pior era a sede. Você se arrastava até a cozinha, tentava alcançar a garrafa de água e puxava todo o conteúdo da geladeira em cima de você. Era descoberto na manhã seguinte imobilizado por hortigranjeiros e laticínios e mastigando um chuchu para alcançar a umidade. Era deserdado na hora.

Ressaca de cachaça. Você acordava sem saber como, de pé num canto do quarto. Levava meia hora para chegar até a cama porque se esquecera como se caminhava: era pé ante pé ou mão ante mão? Quando conseguia se deitar, tinha a sensação que deixara as duas orelhas e uma clavícula no canto.

Olhava para cima e via que aquela mancha com uma forma vagamente humana no teto finalmente se definira. Era o Peter Pan e estava piscando para você.

Ressaca de licor de ovos. Um dos poucos casos em que a lei brasileira permite a eutanásia.

Ressaca de conhaque. Você acordava lúcido. Tinha, de repente, resposta para todos os enigmas do universo. A chave de tudo estava no seu cérebro. Devia ser por isso que aqueles homenzinhos estavam tentando arrombar a sua caixa craniana. Você sabia que era alucinação, mas por via das dúvidas, quando ouvia falar em dinamite, saltava da cama ligeiro.

Hoje não existe mais isto. As pessoas bebem, bebem e não acontece nada. No dia seguinte estão saudáveis, bem-dispostas e fazem até piadas a respeito.

De vez em quando alguns dos nossos se encontram e se saúdam em silêncio. Somos como veteranos de velhas guerras lembrando os companheiros caídos e o nosso heroísmo anônimo.

Estivemos no inferno e voltamos, inteiros.

Um brinde.

E um Engov.

 
Template bastante modificado do original criado por dedodeouro